Introdução
A Bíblia Sagrada foi escrita ao longo de muitos séculos, e sua cronologia pode ser analisada sob duas perspectivas principais: a cronologia dos eventos narrados e a cronologia da composição dos livros. Esta análise abrange ambos os testamentos – Antigo e Novo – oferecendo datas estimadas tanto segundo a tradição judaico-cristã quanto segundo a pesquisa acadêmica moderna (crítica histórica e textual). Também destacamos divergências significativas entre a visão tradicional e os estudos modernos. As tabelas ao longo do texto organizam, em ordem cronológica, os principais eventos bíblicos e as datas de composição de cada livro, facilitando a compreensão da sequência histórica.
Nota Importante
As datas antigas são aproximadas. A cronologia tradicional muitas vezes baseia-se em cálculos de genealogias e reinados encontrados no texto bíblico (como a cronologia do Arcebispo Ussher, que datou a criação do mundo em 4004 a.C. e o Dilúvio em 2349 a.C.1). Já a cronologia acadêmica baseia-se em evidências históricas, arqueológicas e linguísticas, frequentemente propondo datas mais tardias para a redação dos textos. Em alguns casos, apresentamos intervalos de séculos, indicando a incerteza ou o processo gradual de composição.
Cronologia do Antigo Testamento
O Antigo Testamento (AT) relata a história do povo de Israel desde as origens da humanidade até o período persa (século V a.C.). A tradição religiosa considera que muitos livros foram escritos próximo à época dos eventos que descrevem, frequentemente por protagonistas ou testemunhas diretas (por exemplo, Moisés teria escrito a Torá no século XV a.C.). Por outro lado, os estudiosos modernos indicam que a maior parte dos livros do AT alcançou sua forma final séculos depois dos eventos narrados – especialmente durante o exílio babilônico (século VI a.C.) e o período pós-exílico23. Abaixo examinamos a cronologia dos livros e eventos do AT, destacando convergências e divergências entre tradição e pesquisa.
Formação e datas de composição do Antigo Testamento
Tradicionalmente, a autoria e data dos livros do AT seguem a própria narrativa bíblica: por exemplo, a Torá (os cinco livros de Gênesis a Deuteronômio) teria sido escrita por Moisés durante a peregrinação pelo deserto, cerca de 1446–1406 a.C.2. Assim, pela visão conservadora, os textos fundamentais da Lei remontariam ao século XV a.C.4. Da mesma forma, outros livros históricos seriam escritos logo após os eventos (Josué por Josué, Juízes pelo profeta Samuel, etc.), os livros poéticos em torno da época de seus supostos autores (por exemplo, Salmos em grande parte por Davi ~1000 a.C., Provérbios por Salomão ~950 a.C.) e os livros proféticos na época em que cada profeta viveu (Isaías no século VIII a.C., Jeremias no VII, Daniel no VI, etc.)45.
A pesquisa acadêmica moderna, porém, pinta um quadro diferente. Com base em evidências textuais e arqueológicas, muitos estudiosos sustentam que os livros do AT passaram por longos processos de composição e edição, incorporando tradições orais e escritas de diversas épocas. Por exemplo, a Hipótese Documentária propõe que a Torá foi compilada a partir de fontes distintas escritas entre c. 900 a.C. e 550 a.C., sendo unificada por editores possivelmente por volta de 450 a.C.6. Mesmo opiniões menos radicais concordam que a forma final do Pentateuco data do período do exílio ou pós-exílio (séculos VI–V a.C.)7, embora contenha materiais de épocas bem anteriores.
Outros exemplos de divergência: o Livro de Isaías, que a tradição atribui inteiramente ao profeta Isaías (c. 700 a.C.), é visto por especialistas como fruto de três fases: capítulos 1–39 do século VIII a.C. (proto-Isaías), 40–55 do período do exílio no século VI a.C. (deutero-Isaías), e 56–66 do pós-exílio no final do século VI ou V a.C. (trito-Isaías)8. O Livro de Daniel, que narra eventos do século VI a.C. e segundo a tradição foi escrito pelo próprio Daniel nessa época, é datado pela maioria dos acadêmicos por volta de 167–164 a.C., durante as perseguições do rei selêucida Antíoco IV Epifânio9. Já Provérbios, embora contenha ditos atribuídos a Salomão (~950 a.C.), provavelmente foi compilado ao longo de vários séculos, até o período exílico ou posterior10. Eclesiastes, tradicionalmente atribuído a Salomão em sua velhice, apresenta linguagem que o situa não antes do século IV a.C.11.
Tabela 1: Datas de composição dos livros do Antigo Testamento
A tabela a seguir resume as datas de composição estimadas de cada livro do Antigo Testamento, contrastando a perspectiva tradicional com as estimativas da crítica moderna (intervalos aproximados). Os livros estão listados na ordem canônica, que em geral reflete a sequência narrativa (e, grosso modo, a cronologia tradicional).
| Livro (AT) | Data de composição – Tradição | Data de composição – Pesquisa Acadêmica |
|---|---|---|
| Gênesis | ~1446-1406 a.C. (Moisés)2 | ~900-450 a.C. (fontes J, E, P)6 |
| Êxodo | ~1446-1406 a.C. (Moisés)2 | ~900-450 a.C. (fontes J, E, P)6 |
| Levítico | ~1446-1406 a.C. (Moisés)2 | ~550-450 a.C. (fonte P)6 |
| Números | ~1446-1406 a.C. (Moisés)2 | ~900-450 a.C. (fontes J, E, P)6 |
| Deuteronômio | ~1446-1406 a.C. (Moisés)2 | ~650-550 a.C. (fonte D)6 |
| Josué | ~1400-1370 a.C. (Josué)4 | ~600-500 a.C. (história deuteronomista)7 |
| Juízes | ~1050-1000 a.C. (Samuel)4 | ~600-500 a.C. (história deuteronomista)7 |
| Rute | ~1050-1000 a.C. (Samuel)4 | ~500-400 a.C. (período pós-exílico)12 |
| 1-2 Samuel | ~1000-950 a.C. (Samuel/Natã)4 | ~600-500 a.C. (história deuteronomista)7 |
| 1-2 Reis | ~550-500 a.C.4 | ~550-500 a.C. (consenso relativo)7 |
| 1-2 Crônicas | ~450-400 a.C. (Esdras)13 | ~400-300 a.C. (cronista pós-exílico)14 |
| Esdras-Neemias | ~450-400 a.C.13 | ~400-300 a.C. (cronista pós-exílico)14 |
| Ester | ~450-400 a.C.15 | ~400-200 a.C. (período helenístico)16 |
| Jó | ~2000-1500 a.C. (patriarcal)17 | ~600-400 a.C. (exílico/pós-exílico)18 |
| Salmos | ~1000-400 a.C. (Davi e outros)19 | ~800-200 a.C. (coleção gradual)20 |
| Provérbios | ~950-700 a.C. (Salomão)10 | ~700-300 a.C. (compilação tardia)21 |
| Eclesiastes | ~950 a.C. (Salomão)11 | ~400-200 a.C. (período helenístico)22 |
| Cantares | ~950 a.C. (Salomão)23 | ~500-300 a.C. (pós-exílico)24 |
| Isaías | ~740-680 a.C. (Isaías)8 | ~740-400 a.C. (três autores)25 |
| Jeremias | ~627-580 a.C. (Jeremias)26 | ~627-500 a.C. (edições posteriores)27 |
| Lamentações | ~586 a.C. (Jeremias)28 | ~586-500 a.C. (anônimo exílico)29 |
| Ezequiel | ~593-571 a.C. (Ezequiel)30 | ~593-400 a.C. (edições posteriores)31 |
| Daniel | ~605-535 a.C. (Daniel)9 | ~167-164 a.C. (período macabeu)32 |
| Profetas Menores | ~850-400 a.C. (vários profetas)33 | ~850-200 a.C. (edições variadas)34 |
Fontes: Datas tradicionais sintetizadas de referências bíblicas e cronologias aceitas (por exemplo, datas marginais de Ussher66; tabela de Rev. Expedito José6744). Datas acadêmicas baseadas em estudos críticos atuais, conforme indicadas (p.ex. Wikipedia e literatura bíblica crítica186829 etc.).
Principais eventos do Antigo Testamento e suas datas
Os eventos narrados no Antigo Testamento cobrem um amplo espectro temporal, desde a criação do mundo até a restauração de Jerusalém após o exílio babilônico. A cronologia tradicional desses eventos frequentemente deriva de cálculos internos da Bíblia (genealogias, reinados, correlações históricas), enquanto a historiografia moderna busca correlacioná-los com evidências externas, nem sempre confirmando as datas tradicionais. A tabela a seguir apresenta eventos bíblicos marcantes do AT, com datas aproximadas:
Tabela 2: Cronologia aproximada de eventos-chave do Antigo Testamento
| Evento Bíblico | Data Tradicional Aproximada | Datação Histórica/Comentários |
|---|---|---|
| Criação do mundo | 4004 a.C.1 | Cronologia de Ussher; não aceita historicamente |
| Dilúvio de Noé | 2349 a.C.1 | Cronologia de Ussher; evidências geológicas divergem |
| Chamado de Abraão | ~2091 a.C.69 | ~2000-1800 a.C. (Idade do Bronze Médio) |
| José no Egito | ~1876-1805 a.C.70 | Período dos Hicsos (~1650-1550 a.C.)? |
| Êxodo do Egito | 1446 a.C.5 | ~1250 a.C. (Ramsés II) ou questionado74 |
| Conquista de Canaã | 1406-1400 a.C.71 | Processo gradual ~1200-1000 a.C. |
| Período dos Juízes | 1400-1050 a.C.72 | ~1200-1000 a.C. (Idade do Ferro I) |
| Reino de Saul | 1050-1010 a.C.73 | ~1020-1000 a.C. (consenso relativo) |
| Reino de Davi | 1010-970 a.C.73 | ~1000-960 a.C. (consenso relativo) |
| Reino de Salomão | 970-930 a.C.73 | ~960-920 a.C. (consenso relativo) |
| Construção do Templo | 966-959 a.C.84 | ~950 a.C. (baseado em 1Rs 6:1) |
| Divisão do Reino | 930 a.C.75 | ~922 a.C. (consenso histórico) |
| Queda de Samaria | 722 a.C.76 | 722/721 a.C. (Sargão II da Assíria) |
| Reforma de Josias | 621 a.C.77 | ~622-621 a.C. (consenso histórico) |
| Primeira deportação | 605 a.C.78 | 605 a.C. (Nabucodonosor II) |
| Queda de Jerusalém | 586 a.C.79 | 587/586 a.C. (consenso histórico) |
| Exílio babilônico | 586-538 a.C.80 | 587-539 a.C. (período histórico) |
| Decreto de Ciro | 538 a.C.81 | 539/538 a.C. (Cilindro de Ciro) |
| Retorno do exílio | 538-537 a.C.82 | ~538-515 a.C. (processo gradual) |
| Reconstrução do Templo | 520-516 a.C.83 | 520-515 a.C. (consenso histórico) |
| Missão de Esdras | 458 a.C.85 | 458 ou 398 a.C. (debate acadêmico) |
| Missão de Neemias | 445 a.C.86 | 445 a.C. (consenso histórico) |
Observações: As datas "tradicionais" aqui refletem interpretações literais da Bíblia (como 1Rs 6:1 para datar o Êxodo 480 anos antes do Templo84) e cálculos de cronologias bíblicas clássicas. Já as datas "históricas" levam em conta pesquisas arqueológicas e documentos extra-bíblicos, podendo divergir (por exemplo, alguns situam o Êxodo em 1250 a.C., associando-o a Ramsés II, enquanto outros defendem 1446 a.C. apoiados na cronologia interna745). Em vários casos, os próprios estudiosos oferecem intervalos de possíveis datas, dada a incerteza. A cronologia bíblica antiga, especialmente antes de Davi, é considerada incerta, com margens de erro de décadas ou séculos105.
Cronologia do Novo Testamento
O Novo Testamento (NT) concentra-se em um período bem mais curto que o AT – essencialmente o século I d.C. – cobrindo a vida de Jesus de Nazaré e os primórdios do Cristianismo. Diferentemente do AT, há maior consenso de que os livros do NT foram todos escritos nesse primeiro século (ou no máximo no início do II século), próximos dos eventos narrados106107. Ainda assim, existem nuances entre a cronologia tradicional religiosa e a crítica moderna, especialmente quanto à autoria e exata ordem de composição dos escritos.
Formação e datas de composição do Novo Testamento
A tradição cristã sustenta que os autores apostólicos escreveram seus relatos e cartas dentro da própria era apostólica. Pelas datas tradicionalmente aceitas nas igrejas, quase todo o NT foi escrito entre cerca de 50 d.C. e 100 d.C.107. Estudiosos conservadores sugerem que as primeiras obras a serem escritas foram as cartas de Paulo (por volta de 50–65 d.C.), seguidas pelos Evangelhos Sinópticos (Mateus, Marcos, Lucas) e Atos antes de 70 d.C., enquanto os escritos de João (Evangelho de João, Cartas joaninas) e o Apocalipse datariam do final do século I (c. 85–95 d.C.)108.
A pesquisa moderna concorda em parte com esse panorama temporal – reconhecendo que a maioria dos livros do NT emergiu entre os anos 50 e 100 – mas apresenta algumas diferenças importantes. Com base em análise linguística, teológica e em referências internas, estudiosos críticos datam os Evangelhos um pouco mais tarde: Marcos por volta de 65–70 d.C. (possivelmente escrito logo após a morte de Pedro e durante a guerra judaica)110111, Mateus e Lucas entre ~80–90 d.C. (pois parecem usar Marcos e refletir a destruição de Jerusalém em 70 d.C.)112113, e João por volta de 90–100 d.C.114.
Tabela 3: Datas de composição dos livros do Novo Testamento
A tabela a seguir apresenta as datas de composição dos livros do Novo Testamento, comparando a estimativa tradicional (às vezes expressa em intervalos menores, baseados em testemunhos antigos) com as datas amplamente propostas pela pesquisa moderna:
| Livro (NT) | Data – Tradição | Data – Pesquisa Acadêmica |
|---|---|---|
| Mateus | ~50-60 d.C.108 | ~80-90 d.C.112 |
| Marcos | ~50-65 d.C.108 | ~65-70 d.C.110 |
| Lucas | ~60-63 d.C.108 | ~80-90 d.C.112 |
| João | ~85-95 d.C.108 | ~90-100 d.C.113 |
| Atos | ~62-63 d.C.108 | ~80-90 d.C.114 |
| Romanos | ~57 d.C.115 | ~57 d.C. (consenso)116 |
| 1 Coríntios | ~55 d.C.115 | ~55 d.C. (consenso)116 |
| 2 Coríntios | ~56 d.C.115 | ~56 d.C. (consenso)116 |
| Gálatas | ~49-50 d.C.115 | ~50-55 d.C.116 |
| Efésios | ~60-62 d.C.115 | ~80-100 d.C. (deutero-paulina)117 |
| Filipenses | ~61-62 d.C.115 | ~55-62 d.C.116 |
| Colossenses | ~60-62 d.C.115 | ~60-80 d.C. (debate autoria)117 |
| 1 Tessalonicenses | ~50-51 d.C.115 | ~50-51 d.C. (consenso)116 |
| 2 Tessalonicenses | ~51-52 d.C.115 | ~70-100 d.C. (deutero-paulina)117 |
| 1 Timóteo | ~62-64 d.C.115 | ~100-110 d.C. (pastoral)127 |
| 2 Timóteo | ~66-67 d.C.115 | ~100-110 d.C. (pastoral)127 |
| Tito | ~62-64 d.C.115 | ~100-110 d.C. (pastoral)127 |
| Filemom | ~60-62 d.C.115 | ~60-62 d.C. (consenso)116 |
| Hebreus | ~64-68 d.C.119 | ~80-90 d.C.120 |
| Tiago | ~45-50 d.C.121 | ~80-100 d.C.122 |
| 1 Pedro | ~62-64 d.C.123 | ~80-90 d.C.124 |
| 2 Pedro | ~64-66 d.C.123 | ~110-130 d.C. (pseudônima)118 |
| 1 João | ~85-95 d.C.125 | ~90-100 d.C.126 |
| 2-3 João | ~85-95 d.C.125 | ~90-100 d.C.126 |
| Judas | ~65-70 d.C.128 | ~80-100 d.C.129 |
| Apocalipse | ~95-96 d.C.130 | ~95-96 d.C. (consenso)131 |
Referências: Datas tradicionais conforme cronologias e testemunhos patrísticos (e.g. Irineu coloca Apocalipse no fim do reinado de Domiciano; testemunhos de Papias e outros sobre ordem dos Evangelhos). Datas modernas baseadas em crítica textual e histórica (e.g. Raymond Brown, Bruce Metzger, etc., compilados em fontes como a Introdução ao NT de Perkins142117).
Principais eventos do Novo Testamento e suas datas
Os eventos narrados no Novo Testamento estão centrados na vida de Jesus Cristo e no crescimento inicial da Igreja cristã no mundo greco-romano. Diferentemente do AT, aqui dispomos de referências cronológicas mais sólidas, pois muitos eventos podem ser relacionados a personagens e fatos históricos conhecidos do século I (imperadores romanos, governadores, reis locais). A tabela a seguir apresenta a cronologia básica dos acontecimentos principais do NT, conforme deduzidos do texto bíblico e de fontes históricas:
Tabela 4: Cronologia aproximada de eventos-chave do Novo Testamento
| Evento do NT | Data Aproximada | Detalhes e fontes históricas |
|---|---|---|
| Nascimento de Jesus | 6-4 a.C.132 | Correlação com Herodes (Mt 2:1) e censo de Quirino (Lc 2:2) |
| Batismo de Jesus | ~27-29 d.C.133 | 15º ano de Tibério (Lc 3:1), início do ministério |
| Início do ministério | ~27-30 d.C.134 | Após o batismo, duração de 1-3 anos |
| Crucificação e ressurreição | 30 ou 33 d.C.135 | Sob Pôncio Pilatos, cálculos pascais divergem |
| Pentecostes | 30 ou 33 d.C.136 | 50 dias após a ressurreição (At 2) |
| Conversão de Paulo | ~33-36 d.C.137 | Poucos anos após a crucificação (At 9) |
| Concílio de Jerusalém | ~49-50 d.C.138 | Questão dos gentios (At 15, Gl 2) |
| 1ª viagem missionária de Paulo | ~46-48 d.C.139 | Chipre e Ásia Menor (At 13-14) |
| 2ª viagem missionária | ~50-52 d.C.139 | Macedônia e Grécia (At 15:36-18:22) |
| 3ª viagem missionária | ~53-57 d.C.139 | Éfeso e revisita às igrejas (At 18:23-21:17) |
| Prisão de Paulo em Jerusalém | ~57 d.C.140 | Tumulto no templo (At 21:27-36) |
| Paulo em Cesareia | ~57-59 d.C.140 | Sob Félix e Festo (At 24-26) |
| Viagem de Paulo a Roma | ~59-60 d.C.140 | Naufrágio em Malta (At 27-28) |
| 1º cativeiro romano | ~60-62 d.C.140 | Prisão domiciliar (At 28:30-31) |
| Incêndio de Roma | 64 d.C.141 | Nero culpa os cristãos, primeira perseguição |
| Martírio de Pedro | ~64-67 d.C.141 | Perseguição de Nero em Roma |
| Martírio de Paulo | ~64-67 d.C.141 | 2º cativeiro e execução em Roma |
| Destruição de Jerusalém | 70 d.C.143 | Cerco de Tito, fim do templo |
| Morte do apóstolo João | ~95-100 d.C.144 | Último apóstolo, fim da era apostólica |
| Perseguição de Domiciano | ~95-96 d.C.145 | Contexto do Apocalipse |
Nota: A cronologia do NT tem como referência básica o calendário romano e eventos históricos externos. Por exemplo, o ano do nascimento de Jesus se deduz pela correlação com Herodes (Mt 2:1) e com o censo de Quirino (Lc 2:2) – embora haja debate, a maioria situa entre 6 e 4 a.C. Os reinados de imperadores (como Tibério em Lc 3:1) e governadores mencionados (Pilatos, Félix, Festo) ajudam a ancorar os acontecimentos em anos conhecidos. Assim, a margem de erro é menor que na cronologia do AT. A tradição cristã primitiva preservou sequências de eventos (como a sucessão dos bispos, martírios apostólicos etc.) que confirmam muitos desses marcos. Ainda assim, detalhes como o ano exato da crucificação variam entre estudiosos (30 ou 33 d.C.), pois dependem de cálculos calendarísticos lunares e correlações festivas. As datas apresentadas acima representam o consenso majoritário atual ou as estimativas mais citadas.
Diferenças entre a cronologia tradicional e os estudos modernos
Conforme evidenciado, há diversos pontos em que a cronologia de composição e de eventos difere quando comparamos a visão tradicional religiosa com as conclusões da pesquisa histórica moderna. Abaixo resumimos algumas das divergências mais notáveis:
• Autoria e data da Torá (Pentateuco)
A tradição judaico-cristã afirma que Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio foram escritos por Moisés durante o êxodo, por volta de 1440–1400 a.C.2. Já a crítica moderna rejeita a autoria mosaica direta, propondo que esses livros são o resultado de fontes compostas entre c. 900 a.C. e 550 a.C. (J, E, D, P na Hipótese Documentária) e editadas conjuntamente no período pós-exílico (século V a.C.)64. Assim, um conservador situaria a redação da Torá no século XV a.C., enquanto um historiador bíblico situaria sua compilação final no século V a.C., embora incorporando tradições mais antigas. Essa diferença de quase mil anos ilustra a tensão entre a data "religiosa" e a "acadêmica".
• Cronologia dos Profetas Maiores
Tradicionalmente, Isaías profetizou no século VIII a.C. e escreveu todo o livro que leva seu nome por volta de 700 a.C. A pesquisa, porém, indica que partes significativas de Isaías (capítulos 40–66) foram escritas mais de um século depois, durante e após o exílio babilônico (séculos VI–V a.C.) por autores anônimos, apesar de atribuídas a Isaías42. Daniel é outro exemplo clássico: a visão religiosa o coloca no século VI a.C., prevendo eventos futuros, enquanto a visão crítica o data no século II a.C., entendendo que as profecias "futuras" são na verdade referências veladas a acontecimentos do período helenístico (como a tirania de Antíoco IV em 167 a.C.)9. Essas divergências não são apenas cronológicas, mas refletem também diferentes entendimentos sobre profecia e história (tradição admite predições miraculosas de longo prazo153; a academia tende a ler profecias ex eventu, escritas após os fatos).
• Livros históricos e datas dos eventos
Na cronologia bíblica tradicional, eventos como o Êxodo e a Conquista de Canaã ocorreram respectivamente cerca de 1446 a.C. e 1406 a.C., baseados em cálculos internos5. Muitos historiadores modernos, contudo, não encontram evidências conclusivas de um êxodo nessa data e sugerem uma migração menor por volta de 1250 a.C. (ou mesmo questionam se o êxodo bíblico ocorreu nos moldes descritos). Da mesma forma, o reino unificado de Davi e Salomão (c. 1000–930 a.C.) é aceito tradicionalmente como um império vasto, enquanto pesquisas arqueológicas (algumas de escola minimalista) argumentaram que as evidências materiais do século X a.C. apontam para reinos mais modestos, tendo implicações cronológicas (por exemplo, datar certas construções – Megido, Hazor, Gezer – na época de outros reis). Essas discussões fazem com que alguns eventos bíblicos sejam "redimensionados" ou redistribuídos no tempo pela historiografia.
• Ordem e autoria no Novo Testamento
Embora haja menos disparidade temporal que no AT, existem diferenças de enfoque. A tradição e vários estudiosos conservadores sustentam que todos os Evangelhos foram escritos antes de 70 d.C. (especialmente argumentando que não mencionam explicitamente a destruição do Templo como evento passado, o que seria esperado se escritos depois). A maioria dos estudiosos críticos, porém, data Marcos ~70 d.C. e Mateus/Lucas ~80–90 d.C.112110. Outro ponto é a autoria de certas epístolas: Efésios, Colossenses, 2 Tessalonicenses, 1-2 Timóteo, Tito e 2 Pedro são atribuídas pela tradição aos apóstolos originais (Paulo ou Pedro) em datas antes de 67 d.C.; já a crítica textual identifica nesses textos vocabulário e teologia possivelmente posteriores, datando-os no final do século I ou início do II e atribuídos a discípulos anônimos desses apóstolos127117. Por exemplo, 2 Pedro é quase consensualmente tida como obra pseudônima cerca de 50 anos após a morte de Pedro118. A tradição explica eventuais diferenças de estilo pela ajuda de secretários ou diferentes fases da vida do autor, enquanto os estudiosos seculares veem nelas indicações de outra pessoa escrevendo em nome do apóstolo.
• Tempo de formação do cânon vs. autógrafos originais
A tradição costuma imaginar que, logo após serem escritos, os livros bíblicos já circulavam amplamente e foram reconhecidos canônicos de imediato. A pesquisa mostra um processo mais gradual: por exemplo, os Evangelhos foram compostos entre 70–100 d.C., mas somente ao longo do século II foram sendo copiados e reunidos como um conjunto de quatro; as cartas de Paulo circularam inicialmente de forma isolada e possivelmente apenas no início do século II houve coleções paulinas completas. Embora isso não mude a data de composição, altera a compreensão do contexto: os autores do NT não sabiam que estavam escrevendo "Escrituras" para um "Novo Testamento" – este conceito se cristalizou décadas (no caso do NT, séculos) depois. Um reflexo cronológico: o Concílio de Cartago em 397 d.C. formalizou a lista de livros do NT, quase 300 anos após o último livro ter sido escrito.
Em suma, a cronologia tradicional busca harmonizar as Escrituras entre si e tomar seus dados ao pé da letra, levando a datas antigas para composições e a uma história linear dos eventos conforme narrada. Já a cronologia crítica moderna compara o texto bíblico com evidências históricas e padrões literários, frequentemente propondo datas de composição mais tardias e reconhecendo desenvolvimentos editoriais. Essa abordagem também coloca os eventos bíblicos dentro do quadro histórico mais amplo, admitindo, por exemplo, que certos relatos possam ser teológicos ou simbólicos e não correspondentes a um único evento datável. Ambas as perspectivas enriquecem o estudo bíblico: a tradicional ressalta a continuidade interna e a antiguidade da revelação, enquanto a acadêmica esclarece o contexto e o processo pelo qual a Bíblia chegou à forma atual154155.
Referências
Referências selecionadas: Para aprofundamento, ver "Datação da Bíblia" (Wikipédia)4156, Introspecto – A Datação da Bíblia (blog histórico)242, obras introdutórias como Quem Escreveu a Bíblia? de R.E. Friedman, A Bíblia através dos Séculos (Antônio Neves de Mesquita)66 e comentários bíblicos que discutem autoria e data (por exemplo, introduções aos livros de Isaías, Daniel, Evangelhos nos comentários da Anchor Bible ou Eerdmans). Essas fontes conciliam dados da tradição e da investigação moderna, permitindo ao leitor uma visão abrangente da cronologia bíblica.